Ciesp News (30/10/2024) - Entre as mudanças na legislação tributária brasileira estabelecida pela Lei 14.973/2024, de 16 de setembro, está a redefinição dos índices de correção de depósitos judiciais e administrativos que envolvem a União, seus órgãos e entidades federais. Decisão que para o Departamento Jurídico do Ciesp implica em considerável perda financeira para os contribuintes por trazer desigualdade na forma de tributação.
O índice escolhido para corrigir os depósitos dos contribuintes reflete a inflação. Por outro lado, o índice em favor da União Federal permanece a taxa Selic, que compreende correção monetária e os juros remuneratórios. Dessa forma, o contribuinte receberá menos do que o montante atualizado que receberia pelo tempo que o depósito permaneceu à disposição do Fisco.
Fernando Pires, advogado sênior do Departamento Jurídico do Ciesp, analisa a correção dos depósitos judiciais e ressalta que além da desigualdade, essa correção também fere os princípios de isonomia, direito de propriedade e segurança jurídica. Confira a entrevista:
Ciesp News: Como o jurídico do Ciesp avalia o novo índice que será utilizado para corrigir os depósitos judiciais dos contribuintes?
Fernando Pires: A Emenda Constitucional nº 113/2021, de 8 de dezembro de 2021, estabelece que, no âmbito da Justiça Federal, os depósitos judiciais devem ser corrigidos pela Taxa Selic. Esse índice é considerado adequado para preservar o valor dos depósitos, harmonizando-se com o índice de atualização aplicado pela Receita Federal para os débitos tributários. A medida visa garantir uma atualização monetária equivalente à dos tributos federais, preservando o poder de compra dos valores envolvidos.
Em descompasso com a norma constitucional, a Lei nº 14.973, de 16 de setembro de 2024, em seu artigo 37, inciso II, substitui o índice Selic por um ‘índice oficial' que reflita a inflação; ou seja, não apresenta um índice específico. Contudo, o índice eleito implicará em considerável perda financeira.
CN: Uma das principais defesas do Ciesp em temas jurídicos é a isonomia. Essa preocupação também se aplica à questão dos depósitos judiciais?
Fernando Pires: Certamente, pois, os créditos tributários devidos a Fazenda Pública continuarão reajustados pelo índice Selic, o que lhe é mais vantajoso. Essa disparidade na correção monetária cria um tratamento desigual entre contribuintes e a União, o que pode violar o princípio da isonomia, já que ambos os lados não possuem o mesmo tratamento em suas atualizações monetárias.
CN: Essa mudança apresentada pela Lei 14.973/2024 também fere os princípios de direito de propriedade e de segurança jurídica?
Fernando Pires: Sim, a Lei 14.973/2024 viola princípios do direito de propriedade e da segurança jurídica a passo que os índices de correção monetária distintos para créditos de contribuintes e débitos tributários da União por afetar o patrimônio dos contribuintes, uma vez que eles podem receber uma atualização monetária inferior ao valor real devido, impedindo a integral recuperação do valor econômico de seus créditos.
A alteração abrupta das regras de correção monetária pela lei gera insegurança jurídica, prejudicando a previsibilidade e o planejamento financeiro dos contribuintes, que passam a enfrentar tratamento desigual em relação à administração pública.
CN: Se essa Lei viola a Emenda Constitucional nº 113 de 2021, que estabelece, pelo artigo 3º, a incidência da Selic “nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, então essa decisão/lei pode ser revista?
Fernando Pires: Sim, a Lei 14.973/2024 pode ser questionada judicialmente com base na Emenda Constitucional nº 113/2021, visando assegurar uma uniformidade no índice de correção. Se a lei introduz um tratamento desigual e contraditório a essa emenda, afetando o princípio da isonomia, o direito de propriedade e a segurança jurídica, há fundamento para argumentar. Uma eventual decisão de inconstitucionalidade poderia anular ou ajustar dispositivos da Lei 14.973/2024 para alinhá-la à EC nº 113/2021, restabelecendo a Selic como índice padrão de correção nas questões envolvendo a Fazenda Pública.
CN: O Ciesp avalia ingressar com ação judicial contra essas mudanças?
Fernando Pires: Sim, o Ciesp está avaliando o ingresso de medida judicial, pois, muitas indústrias discutem na justiça o crédito tributário e, para a suspenção da exigibilidade, mantém depósitos judiciais e seria injusto que ao término da ação os valores depositados estejam defasados.