05/12/2024 - Uma cartilha gratuita sobre prevenção ao superendividamento e um Centro Judiciário de Soluções de Conflitos em São Paulo foram alguns dos recursos destacados por especialistas durante o seminário "O tratamento do Superendividamento - Desafios e Perspectivas" realizado nesta quinta (5), pelo Departamento Jurídico do Ciesp. De acordo com o Mapa da Inadimplência da Serasa, divulgado no último mês de outubro, 73 milhões de brasileiros estão endividados, sendo que 45,5% têm dívidas bancárias e financeiras.
A recém aprovada Lei 14.871/2021, define como superendividamento a situação em que o consumidor de boa-fé assume sua impossibilidade de arcar com todas as dívidas que contraiu, sem comprometer o mínimo para sua sobrevivência.
O ministro do Superior Tribunal de Justiça, Marcos Buzzi, lembrou que a média de dívida do brasileiro é de R$ 5.504/pessoa, valor considerado proporcionalmente alto por ele. Na sua opinião, é preciso olhar a questão do superendividamento como um todo, em que um sistema inteiro é impactado, o que envolve o consumidor, o comércio, a indústria e as instituições financeiras.
A lei, hoje, já está exigindo que reflitam também sobre a concessão do crédito para aquele que já está inadimplente para ver ou não se ele tem condições. Uma mudança de mentalidade é indispensável. Nós precisamos ter um outro gabarito, um outro conceito para lidar com alguns desses devedores", disse Buzzi.
O ministro, que integra o Grupo de Trabalho sobre o tema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ressaltou que a entidade lançou a "Cartilha sobre o Tratamento do Superendividamento do Consumidor", que explica o que é o superendividamento e suas causas. A cartilha está disponível gratuitamente no site www.cnj.jus.br.
Centro Judiciário de Soluções de Conflitos
Outra iniciativa citada durante o evento foi o lançamento agora, em novembro, do Centro Judiciário de Soluções de Conflitos e Cidadania (Cejuscom), que visa promover acordos por meio da mediação e conciliação. A iniciativa é uma parceria do Tribunal de Justiça de São Paulo com a Fundação Procon. O Centro atende Pessoas Físicas, microempresários e comerciante individual.
Ao preencher um cadastro (disponível na página do Tribunal de Justiça de São Paulo e na do Procon-SP), o usuário passa a receber suporte das entidades para tentar sanar suas dívidas por meio de negociação.
De acordo com a coordenadora do Centro Judiciário, a juíza Mônica Di Stasi, antes os endividados não podiam buscar por uma negociação, se as contas ainda não estivessem vencidas, porém, a regra mudou e hoje já é possível buscar negociação antes dos próximos vencimentos. Apenas em 23% dos casos, por exemplo, os endividados já sofriam processo judicial por uma dívida.
Quando eu tenho todas as peças funcionando adequadamente, eu tenho um sistema de consumo e eu tenho uma economia que anda. Quando eu tiro um percentual elevadíssimo, vamos pensar em 18%, 20% dos consumidores que não conseguem arcar com suas dívidas, aquela engrenagem que deveria funcionar direitinho, de maneira suave, começa a claudicar", disse a juíza.
O Procon também realiza um trabalho de educação financeira com os participantes do projeto.
Educação Financeira
O economista Haroldo Silva chamou a atenção para a falta de educação financeira. Foi em comunidades da periferia, onde dá aulas de educação financeira como voluntário, que ele ouviu, pela primeira vez, jovens falando sobre sites de apostas. De acordo com ele, muitos têm a noção equivocada de que os sites de aposta são uma forma de investimento financeiro.
Dívidas e Indústria
Durante a abertura do evento, o diretor do Departamento Jurídico do Ciesp, o advogado tributarista Helcio Honda, afirmou ter ficado muito impressionado com o percentual de brasileiros endividados chegando a quase 80% da população.
Isso afeta o consumo e, por consequência, afeta a indústria", afirmou Honda, cujo departamento organizou o seminário.
O presidente do Ciesp, Rafael Cervone, lembrou que em relação às empresas o endividamento teve um salto de 150%, saindo de R$ 432 milhões para R$ 1,3 trilhão. Ele criticou a alta dos juros e dos spreads bancários (diferença entre taxa de juros que o banco paga por aplicações e o que ele cobra quando faz empréstimos), que dificultam e podem até tornar impossível a quitação de uma dívida.
O presidente do Ciesp lembra que os spreads atingiram o patamar de 21 pontos percentuais, dez vezes maior do que o de países que adotam cálculos semelhantes ao Brasil, como Chile, Itália, Japão, Malásia, Nova Zelândia e Suécia, onde o spread é de 2,1. Ele também frisou que a Taxa Selic (a taxa básica de juros da economia brasileira) alcançou o índice de 11,25%, com expectativa de mais alta em 2025.
No âmbito das famílias brasileiras endividadas, Cervone ressaltou que 48% possuem pendências com bancos.
Esses fatores combinados criam um ambiente desafiador para a a economia brasileira: empresas endividadas, famílias endividadas e os spreads e juros aumentando, levando-as à inadimplência. Portanto, meus amigos, é essencial que discutamos soluções e estratégias para que possamos mitigar agora esses impactos e promover um ambiente econômico mais saudável e sustentável, o mais rápido possível", disse Cervone.
O evento também teve a presença do secretário de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo, Fábio Prieto de Souza, do desembargador Heraldo de Oliveira Silva, presidente da Seção de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, da procuradora da Fazenda Nacional, Rita Nolasco, e do presidente do sistema Faesp (Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo)/Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural), São Paulo, Tirso Meirelles, e Corecon (Conselho Regional de Economia).